terça-feira, 20 de maio de 2008

Espreita, Cotidiano e Vinho


Espreita
A cidade me oprime
com suas paredes e patas,
cuspindo sobre mim nervosos olhares
enquanto tateio seus cantos com os pés.
Seus cantos? Hah!
Quais cantos irão me incriminar
pelos desacatos afiados
que graffittei em branco muros?
Quantos minutos fúteis gastarão
tentando achar a estranha razão
da atitude dos que vivem na espreita?
A cidade me obriga a olhar
suas paredes de prata transparentes,
instigando-me a ter falsos desejos de posse,
mas é ela quem possui e ambiciona
nossos íntimos desejos.
Enquanto aqui estou, neste quarto escuro,
ela me espera lá fora
com sua mortífera nota promissória e seu discurso ensaiado,
pronta para comprar minhas dúvidas
e convencer-me a vender minhas opções.
Cotidiano
Cada degrau vomitado
dessa escada sem paz,
cada sangue,
cada cor de sujeira
impressa nessas calçadas tão caras,
cada vinho derramado
nesse chão que não merece estes pés que,
antes de mais nada,
caminham, sentem e chegam
(mas nunca ficam).
Vinho
Senti o frio
quando voltava para casa.
Já ébrio
vi um colega caído na calçada.
“Levanta e anda!”
E eram dois ébrios
na corda bamba da madrugada
de um inverno de junho.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

(Re)Virada Cultural

Rolou aqui em Sampa, no último final de semana, a chamada Virada Cultural, quando das 18horas de sábado até as 18hrs de domingo acontecem vários shows, eventos, apresentações artísticas, saraus, exibições de filmes, tudo de graça e aberto ao público. O local foi o centro antigo da cidade, nas imediações do Vale do Anhangabaú e praça da República, além de alguns Centros de Cultura nos bairros. No ano passado, assistimos Cólera, Ratos de Porão, Garotos Podres, Inocentes e Plebe Rude o dia inteiro. Muito bom!!!
Tentamos aproveitar ao máximo, e eu digo "tentamos" porque a carcaça já não é mais a mesma. Pelo menos a minha, já que a Marion tem quinze anos a menos que eu. Só que ela trabalhou bastante na sexta, e ainda levantou muuuuito cedo no sábado para fazer mais um serviço até o meio-dia. Dormimos durante a tarde mas, sabem como é... o fim de semana existe para 'colocar' as coisas em dia, quando a passagem da semana não nos permite.
Resultado: chegamos lá pouco antes da 20hrs, assistimos um pouco de jazz na Barão de Itapetininga, fomos pra República ver o que tava rolando e acabamos indo até o local onde rolava a feira de HQs. Voltamos pra a República e assistimos o Casa das Máquinas, clássica banda hard rock brasileira dos anos 70 (nunca na vida imaginei que ia ver esses caras). É claro que a banda tava um pouco 'reformada', já que os vocais e baixo ficaram ao cargo do Andria (Dr.Sin). Apesar disso, o caras não decepcionaram nem um pouco, pelo contrário.
Ficamos num lugar bem estratégico, entre um pipoqueiro, dois caras vendendo biras e outro maluco assando espetinhos (de gato, rato, pombo, sei lá). Entre várias biritas, a galera acendia isqueiros e o cheiro de coisas antigas pairava no ar, junto com aquele som setentista. Parecia que Wood & Stock tavam por ali. Melhor dizendo, haviam centenas de clones de Woods e Sotcks por lá. Vendia-se muito o vinho Cantiga do Sul, mais barato impossivel, fazendo seus consumidores, após duas garrafas, deitarem no chão em posição fetal e despejarem parte dos espetinhos e da pipoca pela calçada (vi vários desses caras literalmente dormindo e virando encima de seus 'embrulhos'). Escatologias à parte, ainda assistimos o Harppia, uma banda de heavy que já tem 25 anos, sem nada a acrescentar e a qual nunca ouvi falar. O cara cantava como se tivesse a dentadura solta.
A essa altura, estávamos cansados e sem dinheiro. Já passava da meia-noite e o único caixa 24horas por perto estava lotado. Ficamos uma hora na fila, se não mais, e perdemos o começo do show do Paul Di'Anno (aquele do Iron). Podres, resolvemos ir até a crackolândia assistir os Mutantes, que só iam se apresentar às 3hrs da madruga. Pensamos em assitir um filme de Vampiras na Galeria Olido, mas estava lotado, pois o pessoal que entrou nas primeiras sessões não saíam da sala, enchendo o local.
Pois é, exatamente às 3hrs resolvemos ir embora, bêbados, cansados, podres e exaustos. Devo reconhecer que não tenho mais aquele pique todo. Teve gente que virou a noite e ficou por lá o dia seguinte inteiro. Pensando agora, nos arrependemos de ter saido de lá tão cedo. Só resta esperar pelo anop que vem e preparar a carcaça para uma nova virada.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Festinha animada!!

Como é sabido de alguns amigos, eu estou trabalhando, claro,é preciso ganhar vida ainda que se esteja na rica ilha da Bretanha. O “serviço” que eu arrumei, graças ao meu amigo Magoo, imagino que alguns leitores o conheçam, ele é de Floripa, um velho amigo dos meus tempos de “Johnny Lee”. O trabalho é em um Club, uma boate que tem 4 ambientes, e é contratada por promoters que promovem festas dos mais variados tipos.

Eu, particularmente, não tenho preconceitos com relação à opção sexual das pessoas, claro! Acontece que da mesma forma que um homem Gay, olha pra uma menina olhando para o seu parceiro e pensa: “Essa perua dando em cima do meu macho”, eu, como homem não gay que sou, tenho minha opinião sobre uma festa gay! O caso é que um homem que não é gay, não gosta de pinto, nem de ver pinto a não ser o seu próprio, certo? Meus amigos e amigas homossexuais, por favor, me perdoem, mas não posso deixar de dar o relato de um homem em uma festa gay.

Mulheres não entram. É um evento pro pessoal se sentir bem à vontade! O cenário armado é de um ambiente com correntes gigantes penduradas pelo salão, panos brancos arrumados no teto e nas paredes pra dar um astral de harém, tecidos pretos com desenhos, em branco, estilizados de homens do tipo, fisiculturistas com coletes, barba e óculos escuros com cara de machão. Pequenas estruturas de madeira, tipo umas casinhas, montadas lá pelo meio, que se podia entrar, e dentro, uma espécie de pequeno labirinto com furos nas paredes na altura da cintura! Não imaginei bem pra quê que aquilo serviria, depois eu entendi que não teria outra função que não esta que se imagina logo de cara! E por fim, um telão passando vídeos de sexo explicito gay masculino. Neste dia, além de engenharia de som, eu estava fazendo também iluminação. Este trabalho é no palco, em uma mesa de luz onde por ela se controla todos os equipamento de luz da boate. Canhões, holofotes, fumaça, essas coisas! Bom, cenário armado, então começa a chegar o pessoal. O pessoal no caso, eram muito parecidos com os caras dos tecidos pretos. Todos de barba, “marombados”, do tipo machões. Alguns com óculos escuros e tal, tipo caminhoneiro, aquela coisa. Alguns mais ousados, vestiam um figurino tipo cueca de couro, roupas justas, sungas do tipo sepacol (onde o fio dental não alcança!!). O evento lotou! E lá pelas tantas, o pessoal todo estava sem camisa, sem mulheres, todos muito apertados, suados, barbados, do tipo machões, dançando e pulando, e tive a impressão que ninguém era de ninguém, a coisa era livre!!! Enquanto isso, no telão, homens do mesmo estilo bombando, não observei muito os detalhes dos vídeos. Daí começou o show! Sim amigos, tinha show! E o pior, eu tinha que ficar iluminando o pessoal do show! Eles usavam sungas de patinho e coraçãozinho do tipo sepacol! E dançavam fazendo questão de mostrar que suas partes íntimas estavam prontas pra batalha, com gestos insinuantes e músculos à flor da pele, e o promoter todo agitado, que não era diferente dos outros, ao meu lado dizendo o que fazer com as luzes! Quase que EU disse pra ele o que ELE deveria fazer com elas!

Como não se pode fumar em ambientes fechados, o cheiro que lá havia, eu prefiro nem lembrar e deixo ao encargo da imaginação de vocês! Cheguei em casa horrorizado! Não que eu tivesse alguma dúvida sobre minha orientação sexual, mas garanto que não resta mais dúvida alguma sobre isso! A balada “bombou” das 22:00h até 6:00h.

Só sei que foi assim!


Juliano Binder

terça-feira, 22 de abril de 2008

Crônica sobre Nenhuma Crônica

Demorei um pouco para postar mais uma crônica porque fiquei indeciso sobre o tema. Como assim?Tive preguiça também. Ah, bom!
Na verdade, pensei em escrever uma crônica sobre o show que os New York Dolls fizeram no Hangar 110, em São Paulo. O show aconteceu na mesma noite em que os The Doors faziam uma apresentação única na cidade. É certo que, da formação original, só restavam dois membros de cada banda, mas, se os Rolling Stones ficassem reduzidos a Keith Richards e Mick Jagger, mudaria alguma coisa? Pensando nisso, resolvemos assistir os New York Dolls, lendária banda do início da década de 70, precursora do punk, apresentando-se vestidos de mulheres e maquiados exageradamente, fazendo um som básico, semelhante aos Stones inclusive, mas muito mais tosco. A maquiagem da banda influenciou o glam rock dos anos 70 e até o hard rock dos anos 80. Depois do sucesso do primeiro disco, foram empresariados por Malcom MacLaren, quando os excessos de biritas e a falta de experiência de Malcom abortou a banda. Pouco mais de um ano depois, inconformado, Malcom tentou a fórmula de novo, desta vez, com uma banda formada deliberadamente para causar impacto, no caso, os Sex Pistols. Já Johnny Ramone, depois de ter assistido literalmente dezenas de shows dos Doors, Beatles, The Who, Stooges, MC5, Jimmy Hendrix e outros, bastou ter assistido um único show dos NYDolls para bater aquele estalo de que estava na hora de formar sua própria banda, no caso, os Ramones.
Não há o que reclamar do show dos caras, eles mandam bem e seguram legal, inclusive tocaram uma versão bem punk de Piece of my Heart, da Janis Joplin. O problema é o Hangar 110. O lugar até tem seu 'charme', mas é muito apertado e quente (analogias à parte). A parte boa de termos ficado uma hora cozinhando numa fila, só para comprar cervejas, é que bem na nossa frente os Forggoten Boys tocavam aquele bom, velho e sujo rock de garagem, com direito a cover dos Stooges. Porém, nada de mais aconteceu pela noite, estavam lá o Clemente dos Inocentes, o Redson do Cólera, os caras do Rock Rocket e, claro, a MTV. Por tudo isso, resolvi não escrever a crônica sobre os New York Dolls.
Na semana passada, foram exibidos no Centro Cultural Banco do Brasil os filmes do filósofo francês Guy Debord, cujas idéias sintetizadas no livro A Sociedade do Espetáculo, publicado na década de 60, inspirou não só as cabeças dos universitários franceses do Maio de 68 como também as práticas de protesto, utilizando-se das ferramentas da mídia e da arte (cinema, rádio, música, jornal, fanzine), influências visíveis até hoje, inclusive em organizações como o Green Peace e os grupos anti-globalização. A interpretação de Debord é que a realidade cotidiana, já nos anos 50/60, estava caminhando rumo a uma tal artificialidade que tudo que a mídia exibia virava espetáculo, ou seja, a própria realidade tornava-se um produto de consumo para as massas, idiotizando a população. Para tanto, Debord e seu grupo, Os Situacionistas, criaram o conceito de intervenções no cotidiano, criando situações bizarras, distúrbios surreais e fora de contexto, para chamar a atenção a causas políticas, sociais, artísticas enfim. Tornou-se comum protestos com os manifestantes em silêncio, com as mão amarradas e amordaçados em frente à Prefeituras ou Palácios de Governo, numa alusão a como os políticos vêem e tratam o povo.
Há alguns anos, um grupo de amigos em Curitiba-PR, resolveu fazer uma série destas 'intervenções', apesar de muitas delas estarem mais próximas a vandalismos (invadir casas e mudar objetos de lugar, amarrar poemas em pedras e atirá-las pela vidraça alheia, etc.). Um deles, particularmente, achei genial: encheram um velho aparelho de televisão com centenas de bilhetes escrito “veja o que a televisão faz com sua cabeça”, e a atiraram pela janela do terceiro andar de um prédio. A visão do aparelho espatifado, ao lado de um ponto de ônibus, com aquelas centenas de bilhetes espalhados pelo chão, chegou bem próximo de uma intervenção artística bem elaborada. Pelo menos, os caras tiveram o bom senso de fazer o negócio quando a rua estava quase deserta, pra não machucar ninguém e para não serem presos, claro.
Pensando nisso, um protesto interessante foi feito semana passada na Praça da Sé, em Sampa. Os manifestantes, dispersos pela praça, de repente ficavam 'congelados' em suas posições (caminhando, amarrando sapatos, lendo jornais etc) como se fossem estátuas vivas, durante uns três minutos, enquanto alguém discursava brevemente. A idéia era representar a imobilidade e a apatia do povo diante da atual situação.
Pensei, portanto, em escrever uma crônica sobre essas intervenções no espaço urbano, mas alguns problemas domésticos, a preguiça, um GTA que pintou no micro e a chuva espantaram a idéia.
Pensei em escrever sobre os talentos individuais e o processo de criação das pessoas, mas percebi que acabaria falando sobre meu umbigo, tentando justificar minha própria apatia. Todos, ou pelo menos a maioria, tem capacidade de escrever, desenhar e tocar um instrumento, mas poucos tem uma extrema facilidade para escrever, outros para desenhar e alguns para tocar e compor. Aí lembrei do nosso amigo Binder, de como o cara tirava inspiração para fazer as coisas. Tive a oportunidade de presenciar e participar da construção de sua guitarra. Como ele tem facilidade para entender de eletrônica (matemática e física eram brincadeira) e muito afinado com música, projetou e construiu sua guitarra quase sozinho (requisitou os serviços de um marceneiro e uma outra pessoa para colocar os trastes do braço), bolando e instalando os captadores e que tipo de timbre ele queria do instrumento. O resultado é uma guitarra que pode não ser perfeita e talvez nem seja tão boa tecnicamente falando, mas é com certeza uma guitarra única (uma Binder Stratocaster?), a qual já deve ter sido mexida e remexida várias vezes pelo amigo, buscando aperfeiçoá-la. Eu espero, Binder, que ainda tenhas essa guitarra e que não tenhas sido louco de vendê-la.
Agora, sobre o quê era mesmo esta crônica? Bandas de rock, intervenções urbanas, distúrbios no cotidiano, talentos individuais, processo criativo, guitarras... Acho que era sobre a capacidade de algumas pessoas em tocar muitas outras, e na nossa tentativa de mudar alguma coisa com tudo isso.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Muito obrigado!

Ora ora ora!!! Gostaria de exclamar que fico extremamente honrado com a homenagem do amigo Defa. De fato, este dia se aproxima!

Muito obrigado!!

Gostaria de colocar aos amigos que este nosso blog coletivo está mesmo divertido. Agradecer aos leitores, principalmente, porque estamos com 87 visitas em 7 países! Como ele é coletivo, eu convido os amigos leitores, que são também escritores, a darem sua contribuição.

Tomei a liberdade de colocar um link do blog do John Stills, que é um blog amigo.

Tenho me divertido muito com os textos paulistanos do Caresia, as histórias do Defa em Tel-Aviv e gostado muito de escrever sobre Londres. Logo terei mais uma aventura por aqui!

E mais uma vez, “Vida longa ao Biritas Crônicas”.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Homenagem

Aqui vai uma homenagem ao Binder que deve estar de anivesário em algum desses dias mas eu não sei quando. Ou é em maio, junho?, ou foi em março? Aqui vai essa figuraça que se chama Blind John Davis.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Animais Urbanos

Animal urbano / habitante subterrâneo /
entre escombros e ruínas / sua alma está faminta”
(Inocentes)


Os pequenos e médios animais são conhecidos pela variedade de espécies pelo mundo. Quanto menores são, maior a diversidade de suas características particulares. Cada selva, deserto, floresta, campo, litoral tem um tipo específico de roedor, pássaro, réptil, aracnídeo etc. Tem tipos de rãs e aranhas que só existem numa pequena região do pantanal mato grossense, por exemplo. E nas cidades, tanto as grandes quanto as pequenas? Os tipos mais comuns nas metrópoles quase sempre se reduzem a pássaros (pombos e pardais), cães, gatos e ratos. Moscas, mosquitos e baratas também são figurinhas carimbadas em qualquer canto.
Em Sampa, os cães de rua realmente botam medo. São enormes, mal-encarados, sujos e, a maioria, inclassificável quanto à procedência de raça. Quando meu filho e minha irmã vieram nos visitar por aqui pela primeira vez, ficaram com medo de andar pela rua e topar com aqueles 'bezerros' molambentos soltos por aí. É comum por aqui acontecerem ataques de pit bulls. Num único final de semana, foram noticiados cinco casos fatais, todos em diferentes partes da cidade. Com isso, não é raro encontrar pit bulls abandonados e famintos por aí.
Acredito que o paulistano, aliás, desenvolve um tipo de sexto sentido que o faz desviar dos cocôs de cachorro sem precisar olhar para o chão. É claro que nem toda merda por aí é canina. Tem muita merda humana disputando com a canina o seu espaço vital nas calçadas. A maioria desses cães vadios, no entanto, é mais mansa que os pardais. Ou seja, eles só tem tamanho mesmo.
Falando em pássaros, os pombos surpreendem pela quantidade, pela ousadia e pela coragem. Enquanto até os cães fogem do famoso 'churrasquinho grego' feito nas calçadas (pra quem não sabe, é aquele espeto rotativo na vertical com carnes de tudo quanto é tipo e idade, servido com pão francês, apelidado por aqui de 'gato bailarino'), os pombos disputam espaço com os humanos em volta da urbana iguaria, chegando até mesmo a bicar, na cara dura, as migalhas de pão com carne que caem encima dos sapatos e tênis das pessoas. Uma cena quase dantesca: estávamos, a Marion e eu, comendo num Black Dog (famosa casa de hot dogs de Sampa) e, quando outro casal levantou de sua mesa e foi embora, uma nuvem de pombos, que eu até então nem tinha percebido que estavam só de olho, encima do muro, desceu sobre a mesa para devorar, num misto de êxtase e delírio animal, os restos do lanche. Parecia uma cena do filme Os Pássaros, aquele bando alado bicando batatas fritas, até brigando uns com os outros pelos restos de vinagrete. Também é comum encontrar pombos sem pés ou sem dedos, devido à uma cola especial que as pessoas espalham pelos parapeitos das janelas e no alto dos edifícios, para aleijar e espantar os bichos. Quem conhece os pombos sabe que os caras tem uma memória fotográfica quanto aos locais aonde pousar, portanto, quando perdem os dedos, não voltam mais para lá. Em Floripa, o histórico Mercado Público teve sua fachada ameaçada pela merda corrosiva desses pássaros, afinal, tanto lá quanto em Sampa, eles atacam tudo quanto é lixo e restos de comida na calçada (em alguns momentos, parecem verdadeiros porcos com asas), ficando literalmente urubuzando um indivíduo que esteja comendo algo na rua, andando em volta dele.
Já os famosos ratos são os mais difíceis de seres vistos, mas com certeza são mais numerosos que a própria população. Moramos na Vila Nova Cachoeirinha, periferia da zona norte de Sampa, espremidos entre a Casa Verde e a Freguesia do Ó (berços do movimento punk paulistano) e na maior parte do dia, mantemos as portas fechadas. No final da tarde, fechamos até as janelas. Não por medo de ladrões, mas para que os ratos não entrem em casa. Inclusive, tampamos com jornal o cano de escoamento de água da máquina de lavar roupa, assim como a tampa do vaso sanitário fica obrigatoriamente abaixada, exceto quando usada, claro. Deve ter rato com descendência anfíbia por aqui. Na primeira noite que passamos nesta casa, a Marion acordou berrando às cinco da matina dizendo que viu um rato encima de nossa cama! Três dias depois, flagrei um deles caminhando tranqüilamente pela sala. Depois disso, adotamos as precauções que descrevi acima (Adiantaria termos um gato? Não sei, os gatos tem o costume de caçar os ratos pela rua e trazê-los para dentro de casa). A impressão que se tem é que não são os ratos que invadem as casas, mas sim, que as pessoas construíram suas casas no terreno onde os ratos tinham suas tocas há tempos, o que é bem possível.
Como expliquei no começo deste textículo, é provável que tais animais urbanos tenham comportamentos e características diferentes nas várias cidades grandes pelo mundo afora. Ou até possível que outros tipos de animais, que não estes que citei, circulem pelo espaço urbano, como elefantes, vacas e macacos em algumas cidades da Índia e da Ásia, vivendo de nossas sobras e do lixo (na rua onde moro, já vi até cavalos rasgando sacos de lixo e comendo os restos), dividindo espaço nas ruas com os carros e os cães cheirando seus respectivos cus alheios.