sábado, 5 de abril de 2008

Sou de Marte

Algumas coisas nos parecem evidentes ou óbvias, no entanto, de fato, outras nem tanto a nós, mas um tanto a mais a outros, e muitas vezes, ou quase todas, nos aproveitamos disso, tipo quando queremos vender alguma coisa e nos parece evidente que um bom preço seria 50 e, ao possível comprador, parece evidente que 100 seria um bom preço, e daí, percebendo isso, pedimos 150 (eu particularmente acho isso engraçado, como no filme “O Cheiro do Ralo”)! Uma prática, de certa forma, normal, e claro, que o âmbito da normalidade tem certa relação com o grau ou valor de importância que cada qual dá às coisas das quais se tratam, e ainda aliada, à normalidade, à falta de entendimento que cada um de nós tem de cada coisa.

O caso é que por aqui, na Europa, as pessoas reconhecem os seus pela sua descendência. Por uma função histórica, penso, porque sempre foram vários povos e viajavam de um lado ao outro e tudo o mais, e claro, antigamente não tínhamos burocracias nem passaporte, consulados, imigração. Se andava à cavalo por aí tudo, ao ser indagada sobre sua identidade, se respondia: - Sou Giuseppe, filho do Francesco, o Sapateiro, casado com Edit filha do Livreiro. E assim se identificava uma pessoa. Nós, no Brasil, não estamos habituados com isso, porque, não sou historiador nem antropólogo, mas penso que por termos sido colonizados, e ainda por ser uma terra de ninguém nos tempos antigos (só nos antigos?). Pra resolver este problema de quem é Brasileiro, os nossos amigos que faziam as leis por lá então, legislaram: Quem nasce em terras Brasileiras, é brasileiro! Isso resolveu um monte de problemas, imagino, pois quantos povos, desde escravos, ladrões, fugidos , expulsos, imigrantes, como conta a história que nos ensinaram na escola, iam pra lá, constituíam família e nenhum outro lugar ou instituição os queria de volta ou muito menos leva-los de volta, ou ainda eles mesmos não tinham condições de sair por vontade própria. Uma solução política, para um problema político, assim como nossa história! Reconhecemos os nossos por terem nascido em nossas terras.

Por aqui, eles reconhecem os seus por sua descendência. Sendo assim, como sabia das origens da minha família, fui atrás da minha cidadania italiana pra ser livre pra transitar por aqui, afinal, embora goste muito do Brasil a gente sempre procura novos horizontes e tudo o mais. Eis que se enfrentam alguns problemas, porque todo aquele papo romântico ali de cima não é bem assim, alguns lugares na Itália não nos recebem bem, muitas vezes somos discriminados e de certa forma nos sentimos um pouco aproveitadores da situação, porque afinal, somos brasileiros e corremos atrás de uns documentos que nos facilitem a vida aqui no mundo dos ricos. Tudo bem, compreensível, afinal quem são esses caras lá do outro lado do oceano que vem aqui querer ser o que somos, sentimento um pouco racista, mas ninguém é perfeito e nem é obrigado a aceitar as coisas, enfim...bla bla bla...compreender não significa concordar.

Meu passaporte brasileiro venceu. Então, pensei, não dá nada, sou Brasileiro, e volta aquele sentimento de que neste caso, não estou nem me aproveitando de nada, sou mesmo!! Beleza, coisa linda, aquela coisa, coisa e tal. Bom, descobri que só posso entrar no Brasil com meu passaporte Brasileiro, mesmo que eu tenha outra nacionalidade. Meu passaporte brasileiro só vale na fronteira e só ele vale, nem meu passaporte italiano vale lá, porque consta que sou nascido no Brasil e neste caso, sou obrigado a apresentar meu passaporte válido brasileiro. Ele, o passaporte Brasileiro, não é um documento de identificação válido dentro do Brasil só vale na fronteira, e o pior, pra renova-lo aqui no consulado brasileiro, preciso, além do passaporte antigo, de certificado de reservista, título de eleitor, comprovante de voto na última eleição (todos documentos essenciais e que você nunca vai esquecer de colocar na bagagem), e de um outro documento de identificação válido como identidade brasileira, certidão de nascimento, ou seja, o passaporte antigo não vale como identificação! Então, se alguma coisa acontecer comigo, e não tiver passaporte brasileiro, e chegar no Brasil, e não tiver meu passaporte, eles não me deixam entrar, vão fazer o que, me deportar? Pra onde? Ufa, sorte, pelo menos me mandam pra Itália. Sorte a minha, mas quem não tem, imagino que deva ser lançado no mar, ou no mínimo tenha que ficar lá aguardando algum procedimento que provavelmente leve horas! Nascido, descendente, amancebado, conjugado, dado, ou qualquer M.. dessas são apenas um conjunto de papeis da vida. Ou seja, eu mesmo instituo, eu mesmo legislo, eu mesmo assino e eu mesmo permito e compro uma metralhadora, e assim já me sinto mais importante, faço cara de que isso é uma coisa muito séria, e pronto! Só entra em Marte quem tiver este papel, se não, deporto para Terra, se resistir, metralho!!

Juliano Binder

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Gorjetas e Esmolas

Estivemos (minha gata e eu) em Buenos Aires neste começo de ano. A cidade é aquilo que todo mundo sempre fala: nunca dorme, agitada, bonita, poética, mal-educada... (ops) não é bem isso! Os moradores da cidade de Buenos Aires são seres estranhos mesmo, um tanto arredios, porém, o pessoal da Província (Estado) de Buenos Aires e demais regiões são bem diferentes: simpáticos, conversadores, enfim. Não é à toa que brasileiros não são muito bem vistos, já que nossa espécie, quando viaja em bandos chamados de excursões turísticas, fazem muito barulho e bagunça, além de não terem o hábito de dar gorjetas. E a coisa que mais me chamou a atenção em BA foram justamente as gorjetas.
É verdade que quase não se vê mendigos na rua, diferente de Sampa, onde pode-se topar com dezenas deles a cada esquina e praças nas regiões centrais da cidade. Aqui, desenvolve-se o hábito de andar com moedinhas nos bolsos, pois a cada instante somos interceptados por alguém pedindo dinheiro (ofereci comida para um deles outro dia e o cara negou!!!). Quanto à gorjeta, esse hábito tão disseminado pelo mundo é praticamente inexistente por aqui.
Ou seja, em BA quase não há pedintes nas ruas, mas em conpensação, todos que te atendem pedem gorjeta. Eles não pedem diretamente, é claro, mas ficam te olhando com aquela cara que todo mundo sabe como é. Acontece até da pessoa dar gorjeta pro jornaleiro por uma simples informação.
Numa dessas, dei dois pesos de gorjeta pro garçon de um restaurante. O cara olhou para a nota e devolveu para mim, dizendo que podia deixar assim. Moral da história: dei uma gorjeta e ganhei uma esmola de volta, o garçon deve ter achado que eu precisava mais do dinheiro do que ele, sei lá. No final das contas, gostamos de BA. Se pudermos, voltamos lá para aproveitar melhor os bares, pubs e sebos e, desta vez, com mais moedinhas nos bolsos.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

São Paulo: o monólogo coletivo

Faz pouco mais de um ano e meio que moro em sampa, uma das coisas que mais me chama a atenção na cidade é a enorme quantidade de pessoas que falam consigo mesmas pelas ruas. Não há distinção social, pode ser pobre, malaco, nóia, indigente, bem vestido, engravatado, limpo, homem, mulher, preto, branco, amarelo, verde. Alguns falam alto, dizendo coisas ininteligíveis (tanto no sentido quanto na fala mesmo), outros apenas gesticulam com os braços e a cabeça, como se conversassem com alguém imaginário.
Sei o que você pode estar pensando, mas não se trata do caso daqueles celulares em que o sujeito fala com o outro lado da linha sem precisar pegar o aparelho e grudá-lo no rosto. Também não se trata daqueles 'pastores de praça' ou 'street preachers' que ficam berrando com a bíblia cheirando a sovaco (ou será que seus sovacos é que fedem à bíblias?) em praça pública.
São pessoas que transparecem emoções distintas, tanto nos gestos quanto nas expressões faciais. Algumas falam sozinhas e sorriem, gargalham, com gestos suaves; outras, choram, berram , gesticulam de forma violenta. Também não sei dizer se tais monólogos são provocados por coisas como fome, desespero, viagens alucinógens, bebedeiras, loucura, demência mental, alegria, tesão. Pode ser uma coisa de cada vez, ou tudo ao mesmo tempo agora. Alguns chegam a ser engraçados, prometendo o inferno para alguém que já está lá; outros assustam, fazendo gestos bruscos que podem machucar alguém distraído. Mas todos tem essa característica de falar sozinhos, como se representassem uma peça num palco (não somos todos atores na sociedade?).
Lembro que o poeta Álvares de Azevedo (um dos expoentes do romantismo gótico e sinistro do século XIX no Brasil) o qual vivia em sampa, próximo à Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco, portanto, no centro histórico, dizia que a cidade, com seus botecos imundos e ruas cheias de neblina noturna era um "bocejo infinito", pois nada acontecia de interessante por ali. Já na década de 1920, o modernismo taxou sampa de metrópole cacofônica, expressando as mudanças profundas na cidade (arquitetura arrojada, industrialização acelerada, mistura de vários tipos diferentes de pessoas e seus sotaques, gírias, idiomas e cores). Tem várias pessoas que a taxam, hoje, de capital da solidão. Para mim, sampa parece mais um monólogo coletivo.
A maioria das vezes que vejo tais pessoas é justamente próximo ao centro histórico (Vale do Anhangabaú), mas você pode encontrá-los também nas redondezas da Av.Paulista e mesmo em vários bairros, ainda que em quantidades e frequências menores do que no centro.
Também há monólogos coletivos em London, Paris, Tel-Aviv, Buenos Aires, New York, Floripa? Responda você, do contrário, eu também estarei cometendo um monólogo neste blog.