terça-feira, 22 de abril de 2008

Crônica sobre Nenhuma Crônica

Demorei um pouco para postar mais uma crônica porque fiquei indeciso sobre o tema. Como assim?Tive preguiça também. Ah, bom!
Na verdade, pensei em escrever uma crônica sobre o show que os New York Dolls fizeram no Hangar 110, em São Paulo. O show aconteceu na mesma noite em que os The Doors faziam uma apresentação única na cidade. É certo que, da formação original, só restavam dois membros de cada banda, mas, se os Rolling Stones ficassem reduzidos a Keith Richards e Mick Jagger, mudaria alguma coisa? Pensando nisso, resolvemos assistir os New York Dolls, lendária banda do início da década de 70, precursora do punk, apresentando-se vestidos de mulheres e maquiados exageradamente, fazendo um som básico, semelhante aos Stones inclusive, mas muito mais tosco. A maquiagem da banda influenciou o glam rock dos anos 70 e até o hard rock dos anos 80. Depois do sucesso do primeiro disco, foram empresariados por Malcom MacLaren, quando os excessos de biritas e a falta de experiência de Malcom abortou a banda. Pouco mais de um ano depois, inconformado, Malcom tentou a fórmula de novo, desta vez, com uma banda formada deliberadamente para causar impacto, no caso, os Sex Pistols. Já Johnny Ramone, depois de ter assistido literalmente dezenas de shows dos Doors, Beatles, The Who, Stooges, MC5, Jimmy Hendrix e outros, bastou ter assistido um único show dos NYDolls para bater aquele estalo de que estava na hora de formar sua própria banda, no caso, os Ramones.
Não há o que reclamar do show dos caras, eles mandam bem e seguram legal, inclusive tocaram uma versão bem punk de Piece of my Heart, da Janis Joplin. O problema é o Hangar 110. O lugar até tem seu 'charme', mas é muito apertado e quente (analogias à parte). A parte boa de termos ficado uma hora cozinhando numa fila, só para comprar cervejas, é que bem na nossa frente os Forggoten Boys tocavam aquele bom, velho e sujo rock de garagem, com direito a cover dos Stooges. Porém, nada de mais aconteceu pela noite, estavam lá o Clemente dos Inocentes, o Redson do Cólera, os caras do Rock Rocket e, claro, a MTV. Por tudo isso, resolvi não escrever a crônica sobre os New York Dolls.
Na semana passada, foram exibidos no Centro Cultural Banco do Brasil os filmes do filósofo francês Guy Debord, cujas idéias sintetizadas no livro A Sociedade do Espetáculo, publicado na década de 60, inspirou não só as cabeças dos universitários franceses do Maio de 68 como também as práticas de protesto, utilizando-se das ferramentas da mídia e da arte (cinema, rádio, música, jornal, fanzine), influências visíveis até hoje, inclusive em organizações como o Green Peace e os grupos anti-globalização. A interpretação de Debord é que a realidade cotidiana, já nos anos 50/60, estava caminhando rumo a uma tal artificialidade que tudo que a mídia exibia virava espetáculo, ou seja, a própria realidade tornava-se um produto de consumo para as massas, idiotizando a população. Para tanto, Debord e seu grupo, Os Situacionistas, criaram o conceito de intervenções no cotidiano, criando situações bizarras, distúrbios surreais e fora de contexto, para chamar a atenção a causas políticas, sociais, artísticas enfim. Tornou-se comum protestos com os manifestantes em silêncio, com as mão amarradas e amordaçados em frente à Prefeituras ou Palácios de Governo, numa alusão a como os políticos vêem e tratam o povo.
Há alguns anos, um grupo de amigos em Curitiba-PR, resolveu fazer uma série destas 'intervenções', apesar de muitas delas estarem mais próximas a vandalismos (invadir casas e mudar objetos de lugar, amarrar poemas em pedras e atirá-las pela vidraça alheia, etc.). Um deles, particularmente, achei genial: encheram um velho aparelho de televisão com centenas de bilhetes escrito “veja o que a televisão faz com sua cabeça”, e a atiraram pela janela do terceiro andar de um prédio. A visão do aparelho espatifado, ao lado de um ponto de ônibus, com aquelas centenas de bilhetes espalhados pelo chão, chegou bem próximo de uma intervenção artística bem elaborada. Pelo menos, os caras tiveram o bom senso de fazer o negócio quando a rua estava quase deserta, pra não machucar ninguém e para não serem presos, claro.
Pensando nisso, um protesto interessante foi feito semana passada na Praça da Sé, em Sampa. Os manifestantes, dispersos pela praça, de repente ficavam 'congelados' em suas posições (caminhando, amarrando sapatos, lendo jornais etc) como se fossem estátuas vivas, durante uns três minutos, enquanto alguém discursava brevemente. A idéia era representar a imobilidade e a apatia do povo diante da atual situação.
Pensei, portanto, em escrever uma crônica sobre essas intervenções no espaço urbano, mas alguns problemas domésticos, a preguiça, um GTA que pintou no micro e a chuva espantaram a idéia.
Pensei em escrever sobre os talentos individuais e o processo de criação das pessoas, mas percebi que acabaria falando sobre meu umbigo, tentando justificar minha própria apatia. Todos, ou pelo menos a maioria, tem capacidade de escrever, desenhar e tocar um instrumento, mas poucos tem uma extrema facilidade para escrever, outros para desenhar e alguns para tocar e compor. Aí lembrei do nosso amigo Binder, de como o cara tirava inspiração para fazer as coisas. Tive a oportunidade de presenciar e participar da construção de sua guitarra. Como ele tem facilidade para entender de eletrônica (matemática e física eram brincadeira) e muito afinado com música, projetou e construiu sua guitarra quase sozinho (requisitou os serviços de um marceneiro e uma outra pessoa para colocar os trastes do braço), bolando e instalando os captadores e que tipo de timbre ele queria do instrumento. O resultado é uma guitarra que pode não ser perfeita e talvez nem seja tão boa tecnicamente falando, mas é com certeza uma guitarra única (uma Binder Stratocaster?), a qual já deve ter sido mexida e remexida várias vezes pelo amigo, buscando aperfeiçoá-la. Eu espero, Binder, que ainda tenhas essa guitarra e que não tenhas sido louco de vendê-la.
Agora, sobre o quê era mesmo esta crônica? Bandas de rock, intervenções urbanas, distúrbios no cotidiano, talentos individuais, processo criativo, guitarras... Acho que era sobre a capacidade de algumas pessoas em tocar muitas outras, e na nossa tentativa de mudar alguma coisa com tudo isso.

Um comentário:

Juliano disse...

Então,
Na verdade, o amigo tb é protagonista da história daquele guitarra!!
Ela passou de fato por várias mudanças na vida e me acompanhou por muito tempo mesmo. ela era boa! Mas não a vendi, ela se acabou na verdade. O que sobrou dela foi o captador vermelho aquele, que hoje está na minha guitarra que está no brasil! foi o que sobrou dela!!!
Forte abraço e obrigado pela lembrança!