terça-feira, 20 de maio de 2008

Espreita, Cotidiano e Vinho


Espreita
A cidade me oprime
com suas paredes e patas,
cuspindo sobre mim nervosos olhares
enquanto tateio seus cantos com os pés.
Seus cantos? Hah!
Quais cantos irão me incriminar
pelos desacatos afiados
que graffittei em branco muros?
Quantos minutos fúteis gastarão
tentando achar a estranha razão
da atitude dos que vivem na espreita?
A cidade me obriga a olhar
suas paredes de prata transparentes,
instigando-me a ter falsos desejos de posse,
mas é ela quem possui e ambiciona
nossos íntimos desejos.
Enquanto aqui estou, neste quarto escuro,
ela me espera lá fora
com sua mortífera nota promissória e seu discurso ensaiado,
pronta para comprar minhas dúvidas
e convencer-me a vender minhas opções.
Cotidiano
Cada degrau vomitado
dessa escada sem paz,
cada sangue,
cada cor de sujeira
impressa nessas calçadas tão caras,
cada vinho derramado
nesse chão que não merece estes pés que,
antes de mais nada,
caminham, sentem e chegam
(mas nunca ficam).
Vinho
Senti o frio
quando voltava para casa.
Já ébrio
vi um colega caído na calçada.
“Levanta e anda!”
E eram dois ébrios
na corda bamba da madrugada
de um inverno de junho.