Faz pouco mais de um ano e meio que moro em sampa, uma das coisas que mais me chama a atenção na cidade é a enorme quantidade de pessoas que falam consigo mesmas pelas ruas. Não há distinção social, pode ser pobre, malaco, nóia, indigente, bem vestido, engravatado, limpo, homem, mulher, preto, branco, amarelo, verde. Alguns falam alto, dizendo coisas ininteligíveis (tanto no sentido quanto na fala mesmo), outros apenas gesticulam com os braços e a cabeça, como se conversassem com alguém imaginário.
Sei o que você pode estar pensando, mas não se trata do caso daqueles celulares em que o sujeito fala com o outro lado da linha sem precisar pegar o aparelho e grudá-lo no rosto. Também não se trata daqueles 'pastores de praça' ou 'street preachers' que ficam berrando com a bíblia cheirando a sovaco (ou será que seus sovacos é que fedem à bíblias?) em praça pública.
São pessoas que transparecem emoções distintas, tanto nos gestos quanto nas expressões faciais. Algumas falam sozinhas e sorriem, gargalham, com gestos suaves; outras, choram, berram , gesticulam de forma violenta. Também não sei dizer se tais monólogos são provocados por coisas como fome, desespero, viagens alucinógens, bebedeiras, loucura, demência mental, alegria, tesão. Pode ser uma coisa de cada vez, ou tudo ao mesmo tempo agora. Alguns chegam a ser engraçados, prometendo o inferno para alguém que já está lá; outros assustam, fazendo gestos bruscos que podem machucar alguém distraído. Mas todos tem essa característica de falar sozinhos, como se representassem uma peça num palco (não somos todos atores na sociedade?).
Lembro que o poeta Álvares de Azevedo (um dos expoentes do romantismo gótico e sinistro do século XIX no Brasil) o qual vivia em sampa, próximo à Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco, portanto, no centro histórico, dizia que a cidade, com seus botecos imundos e ruas cheias de neblina noturna era um "bocejo infinito", pois nada acontecia de interessante por ali. Já na década de 1920, o modernismo taxou sampa de metrópole cacofônica, expressando as mudanças profundas na cidade (arquitetura arrojada, industrialização acelerada, mistura de vários tipos diferentes de pessoas e seus sotaques, gírias, idiomas e cores). Tem várias pessoas que a taxam, hoje, de capital da solidão. Para mim, sampa parece mais um monólogo coletivo.
A maioria das vezes que vejo tais pessoas é justamente próximo ao centro histórico (Vale do Anhangabaú), mas você pode encontrá-los também nas redondezas da Av.Paulista e mesmo em vários bairros, ainda que em quantidades e frequências menores do que no centro.
Também há monólogos coletivos em London, Paris, Tel-Aviv, Buenos Aires, New York, Floripa? Responda você, do contrário, eu também estarei cometendo um monólogo neste blog.
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2 comentários:
Pois então!!!
Isso é mesmo incrível, inclusive eu sou um desses!!! ehehehh
Opa, alguém aí falou em Tel-Aviv? Já já vou começar a dar uma idéia pra galera de como são as paradas por aqui. Abs.
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