terça-feira, 8 de abril de 2008

O Dia da Sirene

Alguém já tinha me avisado que hoje, terça feira, seria o dia da sirene. O que vai acontecer?, eu perguntei. E a pessoa me falou que iria tocar uma sirene que se pode ouvir no país todo e em alguns lugares algumas pessoas fazem exercícios de evacuação de emergência, no caso de qualquer eventualidade. E a gente deve fazer alguma coisa? Não, ela me disse, acredito que na universidade talvez façam alguma coisa, mas se for o caso, vc vai saber. Assim, eu já estava avisado. Já sabia que hoje iria tocar a tal sirene que se escuta em todo o país (Israel é um país que vc atravessa de leste a oeste em 3 horas e de norte a sul em 5) e estava até meio curioso pra ver o que iria acontecer.

Hoje pela manhã, depois que minha landlady saiu para o trabalho, eu estava pronto pra entrar no banho e o telefone começou a tocar insistentemente. Fui atender, dificilmente atendo o telefone. Era ela, a landlady, me dizendo que hoje iria tocar uma sirene e que eu não precisava me assustar, era apenas algo rotineiro. Como eu já estava sabendo, agradeci e desliguei. Fui pra universidade. Hoje no Departamento de Estudos Orientais haveria umas palestras sobre budismo e eu estava interessado em assistir.

Lá pelas 10 da manhã, quando estava saindo da minha sala para ir assistir as tais palestras, começou a tocar a sirene. Fui na janela dar uma olhada no movimento e nada parecia ter se alterado. As pessoas caminhavam normalmente, conversando. Reparei que não dava pra saber de onde vinha a tal sirene, mas que possivelmente vinha de muitos lados. No campus todo, no bairro todo, na cidade toda, no país todo se ouvia a tal sirene. Sai da sala e quando passei pela porta do Departamento de Língua Inglesa a secretaria me chamou e falou que tinha se esquecido de comentar comigo sobre o dia da sirene. Eu disse, que tudo bem, que estava sabendo, mas curioso perguntei se a gente deveria fazer alguma coisa. Não, ela disse, era só um exercício. Aí deixei a curiosidade estravazar e perguntei como é que a gente iria saber se o negócio era a sério mesmo. E ela me respondeu que se a sirene soasse por mais de um minuto e meio, era sério. Então, perguntei novamente, o que a gente deve fazer se soar a sirene "a sério"? Existe um alçapão no chão da cozinha, a gente deve correr pra lá e entrar no alçapão. Ah sim, eu falei pra ela, já vi esse alçapão lá na cozinha. Fui assistir as palestras.

Além desse alçapão no chão da cozinha, eu já tinha visto uma placa no subsolo da biblioteca central em que está escrito "shelter" (abrigo). A primeira pessoa que tinha me falado sobre a sirene, também comentou comigo que "eles" (a prefeitura imagino)ainda não tinham devolvido as máscaras de gás que haviam sido recolhidas no último "recall" (parece que não protegiam contra certo tipo de substância). Todo cidadão israelense possui uma máscara de gás, deduzi. Menos eu, que não sou cidadão. Imagino que em caso de necessidade deva haver algum lugar em que eu possa conseguir uma.

Mas o negócio é esse meus amigos. Máscara de gás, abrigos (anti-aéreos, anti-bomba atômica) essa é a vida aqui. Isso, entre outras coisas, faz das pessoas que vivem aqui uma sociedade. Em outra oportunidade eu comento o resto da conversa que tive com a primeira pessoa que me falou sobre a sirene. O assunto era "o que fazer com o caso dos árabes". Os árabes estão por todos os lados, literalmente. Eles habitam aqui, eles vivem aqui, estudam aqui, vc vê eles pelas ruas, nas universidades, etc. Então, não existe um "apartheid" como pode-se imaginar. Ou melhor, talvez exista, mas ele tem características mais sutis, pelo menos aqui, fora de Jerusalém, pois lá tem um muro bem evidente dividindo a cidade em duas. Mas o negócio é que o muro também não é assim um empedimento, ajuda eles dizem, pois eu passei de um lado a outro (quando estive na Palestina) e ninguém nos disse nada, e eu estava em um carro cheio de israelenses. Chegamos até mesmo a parar numa verdureira pra comprar algumas coisas, pedimos informação a umas pessoas que passavam, e tudo se passa normalmente sem nenhum indício de estranhamento.

Portanto, percebam que as coisas aqui são mais complicadas do que se pode imaginar, mais complexas eu deveria dizer. Muito mais do que se pode ver na televisão ou nos jornais. Aliás, vou repetir o que venho dizendo desde que cheguei aqui: não assita mais ao noticiário sobre o oriente médio, venha para a Terra Santa e confira você mesmo.

Um comentário:

Caresia disse...

Interessante. Há uns doze anos, conheci dois irmão palestinos, de passagem por Blumenau-SC, e fomos a um bar. Como tava acontecendo um jogo de futebol pela televisão, saiu um gol e alguém estourou um foguete perto do bar. um dos irmãos, o mais novo, acho que tinha 16 anos na época, ouviu o estouro e se jogou debaixo da mesa, até que o mais velho falou no idioma deles que tava tudo bem, não era nenhum atentado, aquelas coisas não aconteciam por ali. Claro que isso faz tempo, e o que você apontou é certo: não dá pra confiar no que passa nos telejornais, pois o que gente escuta daí é só bomba. é como a violência no Rio ou em Sampa, quem não conhece acha que é todo dia em todos os lugares.
Falô
Caresia